Vagner A. Alberto Advogados Associados

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20/01/2012

O Regime Especial de Fiscalização

 

Sem muito alarde, após longos anos de inércia, a Receita Federal do Brasil, por meio da Instrução Normativa nº 979, de 2009, regulamentou o chamado Regime Especial de Fiscalização, instituído originariamente pela Lei nº 9.430, de 1996.

Esse regime deveria ter como missão precípua aparelhar o Fisco de instrumentos de fiscalização mais eficientes sobre as atividades econômicas dos contribuintes, tudo com o intuito de impedir a inadimplência e, também, a sonegação fiscal.

A ideia, portanto, é a de se permitir um regime mais rígido e ostensivo de fiscalização em situações objetivamente identificadas, adotando-se meios proporcionais (e que não afetem a própria atividade do contribuinte) de verificar e quantificar o volume de tributos ali devidos. Essas situações especiais se mostram presentes em virtude das próprias peculiaridades de certos setores produtivos, mais difíceis de fiscalizar, e, também, em decorrência de atos praticados por parte dos contribuintes, focados em inadimplir ou sonegar tributos como instrumento de estratégia mercadológica.

Nesse cenário, nenhuma censura poderia ser imputada à instituição do regime. Práticas de sonegação e de inadimplência contumaz, além de serem altamente danosas ao erário, podem provocar distúrbios concorrenciais graves, gerando ineficiência econômica e, em última análise, prejuízo ao mercado e aos consumidores, merecendo reprimendas.

O regime tem de servir exclusivamente para identificar a existência de débitos

A preservação da livre concorrência, no entanto, não pode servir de baluarte ou justificativa para que direitos fundamentais dos contribuintes sejam amesquinhados. Toda e qualquer fiscalização, ainda que especial, tem de se ater a um único objetivo: identificar a existência de atividades que geram a necessidade de pagamento de tributos, tendo sido essa a dicção do texto constitucional. Conforme disposição da Constituição, fiscalizar consiste em “identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

A proposta central é, portanto, a de identificação da atividade econômica. Isso difere muito de uma autorização para que se empreendam atos, ainda que indiretos, de coação para pagamento de dívida que, por vezes, pode estar sendo objeto de discussão, seja na esfera administrativa ou judicial.

Esses pressupostos, no entanto, parecem não ter sido atendidos quando da instituição do mencionado Regime Especial de Fiscalização. Dentre os muitos dispositivos da Lei nº 9.430, podem ser enunciados dois que denunciam a real intenção da decretação do referido regime: impor ao contribuinte, mediante uma fiscalização mais rígida e penosa, o pagamento de tributos considerados devidos pelo Fisco. Por isso, a lei, prescreve que “a Secretaria da Receita Federal pode determinar regime especial para cumprimento de obrigações”, seguindo para indicar que as medidas especiais de fiscalização “poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, por tempo suficiente à normalização do cumprimento das obrigações tributárias”.

Não há que se falar em cumprimento de obrigações, sob pena de se ver veladamente instituída uma força coercitiva para o pagamento de tributos, prática nomeada de sanção política e vedada pela Constituição segundo reiterada interpretação do Supremo Tribunal Federal. O regime tem de servir exclusivamente para identificar a existência de débitos. Feito isso, terá cumprido seu papel.

O argumento aqui exposto não pretende, de forma alguma, defender contribuintes que baseiam seus negócios em práticas de sonegação ou inadimplência. Ao revés, tais práticas podem gerar distúrbios concorrenciais e devem ser eficazmente enfrentadas. Identificada a existência de crédito tributário em favor do Fisco, caberá ao Estado, tão somente, adotar as medidas previstas constitucionalmente pelo direito positivo, inscrevendo o débito em dívida ativa, negando a expedição de certidões de regularidade fiscal e executando o débito. Invés de buscar meios coercitivos indiretos, a administração tributária deveria concentrar seus esforços na formulação de instrumentos que tornassem mais eficazes a constituição definitiva do crédito tributário e sua execução judicial.

Com isso, ganham todos. Os contribuintes terão respeitados os seus direitos fundamentais. Os concorrentes que cumprem suas obrigações verão os inadimplentes e sonegadores pagarem as dívidas que lhe são devidamente imputadas através de uma execução eficiente. A administração tributária, por sua vez, recolherá tributos nos termos do que determina o direito brasileiro. Essa é a única forma de arrecadação que interessa ou deveria interessar ao Fisco.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

 

Fonte: Valor Econômico