Vagner A. Alberto Advogados Associados

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30/03/2020

Justiça analisa pedidos de empresas para adiar pagamento de tributos

 

Beatriz Olivon e Joice Bacelo | Valor Econômico

 

Por enquanto, há apenas uma decisão favorável, concedida no Distrito Federal

 

As empresas estão recorrendo à Justiça em busca de liminares para adiar o pagamento de tributos, enquanto o governo não define a questão. Por ora, só se tem notícia de uma decisão favorável, que reconheceu não só o direito de postergar impostos federais, como solicitado, mas também estaduais e municipais. Os demais pedidos analisados foram negados — alguns com base na Portaria nº 12, de 2002, do então Ministério da Fazenda, que permite a medida.

 

A liminar foi concedida pela 21ª Vara Federal do Distrito Federal e beneficia a Services Assessoria e Cobranças. A empresa conseguiu adiar por três meses o pagamento de impostos. Na ação (nº 1016660-71.2020.4.01.3400), critica como o governo federal tem conduzido a crise e manifesta receio de que o quadro financeiro gerado pela quarentena inviabilize sua atividade empresarial e os cinco mil empregos que gera.

 

Na decisão, o juiz Rolando Valcir Spanholo afirma que, pelo viés tributário, trata-se de pedido de moratória, que só poderia ser concedida pela União por meio de lei específica. Mas pondera que, diante do momento excepcional, o pedido extrapola a seara tributária.

 

“O cerne da controvérsia vai muito além, ele transita intensamente por toda a seara do Direito Público e sofre forte carga de influência da realidade momentânea das ruas”, diz. Ainda segundo o juiz, a origem da limitação financeira narrada pela empresa se baseia em ações da própria administração pública — a quarentena horizontal (total).

 

O juiz cita decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspenderam pagamentos devidos por Estados à União (ACO 3363 e 3365). Para o juiz, sinalizam que ante incertezas e forte abalo socioeconômico, as atenções devem se voltar à preservação das condições mínimas de bem-estar do ser humano.

 

Outras quatro ações do tipo foram propostas pelo advogado da Services, Juliano Bernert, sócio do Bernert Sociedade de Advogados. A maioria foi negada. “Estamos vivendo um momento excepcional. Se o Estado não está agindo em conformidade com o que está acontecendo, colocamos para o Judiciário decidir”, diz.

 

Essas ações não trazem um argumento muito comum nos pedidos dos contribuintes: a Portaria nº 12, de 2002, que permite às empresas localizadas em municípios que estejam em estado de calamidade adiarem o pagamento dos tributos federais por 90 dias. Há inúmeros processos já ajuizados com base nessa norma.

 

A discussão se dá principalmente pelo fato de a norma, editada na época do então ministro da Fazenda Guido Mantega, nunca ter sido regulamentada. Fontes da Receita Federal reconhecem que a portaria está em vigor, mas dizem haver ainda dúvidas sobre o seu alcance.

Um pedido feito pela Rexam, que atua na produção de latas de alumínio, com base na portaria, foi negado pela Justiça Federal do Rio de Janeiro. A empresa alegou que todos os setores da economia foram “severamente afetados” pela situação gerada pelo coronavírus e que houve “drástica retração do consumo e, por conseguinte, do faturamento”.

 

No processo (nº 5018500-59.2020.4.02.5100), diz que a Portaria nº 12 deveria ser aplicada porque trata da prorrogação dos pagamentos para os casos de calamidade pública. Afirma que tal situação fora reconhecida pelo próprio governo federal, por meio do Decreto nº 6, do dia 18.

 

Mas o juiz Fabricio Fernandes de Castro, da 19ª Vara Federal, não enfrentou, de forma ampla, a aplicação da portaria. Ao negar a liminar, ele levou em conta o alcance do estado de calamidade pública estabelecido no decreto.

 

O magistrado afirma que os seus efeitos estão restritos às situações que constam no artigo 65 da Lei Complementar nº 102, de 2000 — que não contempla a suspensão da exigibilidade dos tributos. “Trata de assuntos como dívidas dos Estados, folha de pessoal, dentre outros temas”, diz na decisão. “Assim sendo, tratando-se do referido decreto de estado de calamidade pública com efeitos parciais, ou seja, para os fins exclusivos do artigo 65 da LC 101/2000, não há embasamento legal para o deferimento da medida”, conclui o juiz.

 

Especialista em tributação, Leo Lopes, sócio do FAS Advogados, trata como “muito específica” a argumentação adotada pelo juiz do Rio de Janeiro. “Não discute a Portaria nº 12”, diz. “E existe uma série de argumentos jurídicos consistentes para que se decida pela aplicação.”

 

O advogado cita a inércia da administração pública. Para ele, o direito à prorrogação do prazo está alinhado a princípios como o da justiça fiscal, da capacidade contributiva e da razoabilidade e, em razão de a situação de calamidade poder afetar a manutenção de empregos e contratos, também atenderia ao princípio da liberdade econômica.

 

“Sem contar que essa é uma medida recorrente do governo”, diz Lopes. “Essa portaria já foi aplicada a situações de calamidade em razão de fortes chuvas, por exemplo, e no artigo 100 do Código Tributário Nacional consta que práticas reiteradas pela administração pública são atos normativos complementares”, acrescenta.

 

Procurada, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) listou duas decisões contrárias, em Sorocaba (nº 5002327-10.2020.4.03.6110) e São Paulo (nº 500434279.2020.4.03.6100). Por causa dos pedidos, o órgão estabeleceu uma equipe para monitorar teses que tenham relação com situação de emergência de saúde pública. Em nota, afirma que atuará em juízo para garantir que todos os contribuintes recebam tratamento tributário isonômico, compatível com a legislação e as medidas que estão sendo implementadas pelo Ministério da Economia.